0:00 min       MALDITA JUDIA     CONTO
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WEBTVPLAY ORIGINAL APRESENTA
MALDITA JUDIA


Conto de
Samuel Brito



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KAZIMIERZ – POLÓNIA (1944/1945)

Levaram um, dois, três...doze, vinte, todos, absolutamente todos os vizinhos de Kazimierz estavam sendo levados e nós? Éramos os próximos! Ah! Mas eu não queria ir, todos temiam, contudo não poderíamos fazer nada pra evitar, relutar seria pior e assim seguimos pela manhã, após terem invadido nosso esconderijo, escoltados por um bando de soldados nojentos e arianos mudando a rota para não se deparar conosco. Suava frio! Mais frio do que a neve que caía.

Afinal, ninguém sabia o que acontecia no destino? Eu sabia! Eu tinha a convicção de que eles não nos tratariam bem, nem nos guetos, nem no inferno, eles nos odiavam e era explícito o ódio em seus olhares repugnantes.

Na rampa haviam inúmeros guardas com seus cães famintos, babando e nos observando fixamente, confesso que tive medo, mas quando olhei para o lado, vi um guarda me olhando diferente, ele mantinha o olhar de forma desigual aos seus companheiros e senti que ele me desejava, e apesar de saber que não havia tempo para aquilo, eu consegui ver nele uma porta de escape. Não pensei muito!

Aproveitei o aglomerado ao meu redor e dei um jeito de me esconder atrás do trem, ele me viu, propositalmente, claro. Não pude me despedir de meus pais, isso é o que dói mais, porém eu precisava agir e quando o guarda se aproximou, tasquei-lhe um beijo. Era o fim!

A tropa verificava os comboios antes de partir e nos pegou no flagra, mas por incrível que pareça, sequer deduziram que eu era uma judia, será que sou filha de um ariano? Provavelmente não! Minha mãe tinha princípios e não se submeteria a isso, eu acho.

-Soldado? Serás penalizado! Já não sabes que não é permitido agarramentos? Ainda mais em pleno serviço. Tira essa jovem daqui. - Disse um soldado franzindo a sobrancelha. - Sim, senhor. - Disse o guarda abismado. Tentei me afastar, mas o guarda me segurou por alguns instantes, ele me mirou e franziu a sobrancelha, tal qual o outro palerma. - Eu só não te denunciarei, pois temo que me associem à sua raça. Venha comigo! - sussurrou ele, enquanto me encarava friamente. Dali por diante firmamos um acordo, talvez um acordo desleal, mas era minha única esperança.

De porta em porta, de casa em casa, abrigando-me ao lado de antigos companheiros que se escondiam temendo ser pegos, estava eu, infiltrada, e após desvendar seus esconderijos, entregava-os para o guarda e em troca, ele mantinha o sigilo sobre mim. Ficamos nisso de seis à sete meses, até que finalmente os aliados venceram a guerra.

Pronto! O sol brilhou novamente para mim e eu precisava ir em busca de meus pais, acreditava que os encontraria com vida, mas já não havia registro deles, segundo o próprio Kulawski, sim, o guarda se chamava Kulawski, nome apropriado para aquele ser bizarro.

-Venha comigo, Hadassa. Vamos para a Argentina, lá estaremos seguros. - Disse ele, crendo que meus sentimentos por ele eram reais, mas nunca foi, apenas fingi por todo esse tempo em que passei ao seu lado. E ele seguiu sem mim... até ser pego pelos aliados! Sim, eu o denunciei junto a toda a tropa, achei que seria justo denunciar todos aqueles crápulas depois de tudo o que fiz para manter a vida. Por alguns instantes pensei que retomaria minha vida tranquilamente, apenas com as mágoas e as dores da perda de meus pais, porém a vida nos prega peças à todo instante e após muitos enjoos simultâneos, chegou a minha sentença.

-Maldiçãoooooooo!

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