Não Grite
de Henrique Adoni
Marta puxa o cobertor até o queixo de Pedro, lhe dá um beijo no rosto e sorri.
– Boa noite, lindo – ela diz, ainda
sorrindo
– Boa noite – responde Pedro, de 10 anos. Marta se afasta da cama e caminha para fora do quarto.
– Mãe! – ela ouve o pequeno Pedro, então para na porta
e se vira.
– Sim?
– Pode deixar
a porta entreaberta e a luz do corredor acesa?
– Você já
está grandinho pra continuar dormindo com a luz acesa, não acha?
– Mas quando eu quero dormir na casa de amigos você diz que ainda sou muito novo.
Sem resposta, Marta sorri.
– Tudo bem, vou deixar a porta entreaberta e a luz do corredor
acesa – ela diz,
apagando a luz do quarto e saindo.
Pedro relaxa na cama. Ele estica o braço direito
e acende o abajur ao lado, e passa a admirar os peixes
pintados nas paredes de seu quarto.
De repente, Becky, o cachorro do
vizinho, começa a latir. Pedro, por reflexo, olha para a janela, pela qual as luzes do vizinho entram, e então,
olha para o teto. O sono o toma lentamente,
e suas pálpebras ficam pesadas. Ele está quase fechando os olhos, mas um barulho forte dentro do próprio quarto o
desperta. Ele se senta na cama, e olha para
os lados, procurando a origem do som, e então a encontra: uma das gavetas de seu guarda-roupas havia caído.
"Como aconteceu?" ele se
pergunta. Ele cogita em levantar-se e colocá-la de volta, mas o
cansaço é mais forte e ele volta a deitar-se. Os olhos finalmente se fecham, abrindo a mente
para a entrada dos sonhos. Ele sonha com uma sombra. Uma mão. Ele está na rua, e ela
se aproxima dele, enquanto ele tenta escapar. Ele vira, então, e tenta se esconder
num beco. Mas antes que possa entrar, seu corpo fica imóvel. Ele tenta
gritar, mas não consegue
respirar.
A mão se aproxima, e a sombra lhe toca. Ele
sente o toque frio, tão frio que
queima sua pele. Ele ouve passos, e sabe que o dono da mão se aproxima. Um sussurro faz com que ele se arrepie.
"Não grite", a voz lhe diz. "Não grite. Vou cuidar bem de você." Ele treme e sua alma se
desespera. A voz de baixo, ainda que com um toque feminino e irônico, continua. "Não grite, vou cuidar bem de
você. O fogo que arde vai te curar.
Não és o primeiro. Não grite. Os outros gritaram".
Ele não queria falar, mas não conseguiu se segurar. "Quem
gritou?" ele pergunta, apenas em mente. "Todos os garotos e garotas. Todas as suas almas congelaram.
Todos os seus corpos me alimentaram. Sua mamãe
e papai também gritaram. E eu vou usar a pele de sua mãe como roupa". Ele
sentiu algo abrir seu corpo em dois,
e quando deu por si estava sentado em sua cama, acordado.
"Apenas um sonho", ele pensou. Passou as mãos pela camisa,
e viu o quanto havia transpirado.
"Água" ele se disse, "preciso de água". Levantou-se da cama e calçou as pantufas. Passou através da porta de seu quarto.
A luz do corredor ainda estava acesa. "Será que dormi muito tempo? Que horas são?" se perguntava
mentalmente. Chegou à cozinha, e apertou o interruptor. A luz não se acendeu.
Tentou mais uma vez, com o mesmo resultado.
– ou falta de resultado – anterior. Sentiu um vento frio soprar em
sua nuca, e, arrepiado, foi até a janela para fechá-la. Porém, percebeu que ela já estava fechada.
O mal-estar aumentou, e ele foi até a geladeira, com a
intenção de abri-la para iluminar a cozinha. Ele tocou sua porta, e puxou. A luz iluminou a cozinha. Quando Pedro
se virou, projetada na parede estava
uma enorme sombra de uma mão. A tal sombra
da mão se contorcia como uma aranha, e quando se mexia, pratos caiam do armário e a
mesa sacudia. Pedro não conseguiu se
segurar e gritou. Nenhuma
palavra, apenas um "A" gritado. Olhou em busca do dono da sombra, mas não havia ninguém. Ele correu, saiu
da cozinha e atravessou a sala:
– Mãããããeee! – gritou, ao passar pelo corredor e entrar
em seu quarto. Fechou e trancou a
porta. Algo começou a avançar e bater contra a porta. – Mãããããeee! – gritou, aos soluços.
Fechou os olhos e se sentou no chão, chorando. As batidas na porta continuaram,
e ele tapou os ouvidos. Então ouviu uma voz.
– Pedro – chamou a voz de
sua mãe, batendo na porta. – Pedro, querido, abra a porta. Ele se levantou
e correu para a porta, abrindo-a e abraçando sua mãe.
– O que foi, querido?
– ela pergunta.
– Calma...
– Ele correu atrás de mim – disse Pedro, ainda
tremendo e sentindo o suor pingar de seu
rosto.
– Calma, você sonhou.
– disse sua mãe
– Não, eu vi.
Os pratos caíram e a mesa saiu do
chão. E ele me queria.
– Vem, vou te colocar
na cama. Fica calmo. – disse Marta.
– Tá bem, mas fica comigo. – pediu Pedro.
– Tudo bem, tudo bem.
Ela o colocou
na cama, e ele se virou e cobriu-se, ficando de costas para ela.
– Desculpa pelo barulho. – disse Pedro.
– Tudo bem, querido. Você se assustou.
– e se aproximou de
Pedro, tocando-lhe o ombro.
– Eu acordei meu pai? – ele pergunta. Ele sente
que sua mãe se ajoelhou ao lado da cama.
Ela voltou a tocar seu ombro, e ele tocou a mão dela com a sua. – Sua mão tá estranha, mãe – ele observou. Ele tocou, e sentiu como se
aquela pele fosse uma luva. Uma unha então caiu.
– Não, seu pai não acordou. – ela responde – Nunca mais vai acordar. Não grite, querido. Vou cuidar bem de você. Não grite. Papai e mamãe gritaram...
CAL - Comissão de Autores Literários
Bruno Olsen
Cristina Ravela
Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.
REALIZAÇÃO
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