Antologia A Magia do Natal: 2x01 - A Menina e o Elfo

 

Sinopse: A menina Jurema fugiu de suas terras após seu avô ter sido assassinado. Ela está morando com a mãe em um bairro pobre quando encontra um rapaz que é apresentado para ela como um dos elfos do Papai Noel. Através dele, a menina recupera a esperança em uma vida feliz.


2x01 - A Menina e o Elfo (Season Premiere)
de Sonia Regina Rocha Rodrigues


“Aprendendo a ser louco”

     Juju arregalou os olhos para a rapaz magrinho que entrou na quitanda usando uma camiseta com esses dizeres.

     - Esse é um dos elfos de Natal – disse o quitandeiro para a menina.

     O rapaz piscou um olho para ela e tentou em vão puxar assunto. Do outro lado da rua a mãe da menina a vigiava da janela. Maneco, o quitandeiro, notara o excessivo zelo da vizinha e acenou para ela.

     - Mamãe está esperando pelos abacaxis – disse a menina, séria, alongando um rabo de olho para o aprendiz de louco.

     O rapaz tirou do bolso uma foto:

     - Olha aqui, na festa do ano passado, estou ao lado de Papai Noel

     - É um Papai Noel de loja. E você deve ser um elfo de loja também. Uma pessoa que recebe dinheiro para vestir uma fantasia.

     - Não, eu não recebo dinheiro nenhum. Nos dias normais eu sou um bailarino. Danço no balé Orgone. Quando chega dezembro, o espírito de Natal me transforma em um elfo. O que você vai pedir de presente?

     A menina deu de ombros.

     - Eu sou uma menina crescida de nove anos. Meus pais disseram que Papai Noel não vai vir mais para mim.

     - Se você pudesse ganhar um presente, o que pediria?

     - Um livro de Monteiro Lobato. O saci.

     - Por que exatamente O saci?

     - Porque era o livro que vovô estava lendo para mim quando a gente fugiu do Araguaia.

     - Você morava em Tocantins?

     - Pará.

     - Eu me chamo Daniel – disse o elfo, estendendo a mão para a menina, que recuou, enfiando as mãos bem fundo nos bolsos. – Posso ao menos saber o seu nome?

     - Jurema – os olhos claros e fundos da menina brilhavam.

     - Fale um pouco mais sobre você, eu quero ouvir sua história.

     Maneco, inquieto, ia interromper, porém a menina animou-se:

     - Vovô lia para mim todas as noites. Ele leu o livro Reinações de Narizinho inteirinho, algumas histórias da Tia Nastácia, uma porção de Fábulas, e estava lendo O saci. Na última noite ele parou de ler bem quando Pedrinho descobre que um saci leva para nascer exatamente sete anos, sete meses, sete dias, sete horas e sete segundos. No dia seguinte a gente saiu de casa sem almoçar e tão rápido que nem deu tempo de eu me despedir do vovô.

     - Você se mudou para cá.

     - A gente fugiu mesmo. Meu pai pegou uns papéis importantes, a mãe juntou umas roupas, eu trouxe minha boneca e só. Uns homens maus mataram o vovô e estavam atrás do papai também.

     Para alívio de Maneco, dona Filomena deixava a casa e atravessava a rua em busca da filha.

     - Que demora, Juju. Eu não gosto que você fique de conversa com estranhos.

     - Muito prazer, minha senhora. Daniel, elfo de Papai Noel a seu dispor.

     - Muito prazer, Daniel, elfo de Papai Noel. Cadê meus abacaxis, Maneco? Juju volta comigo para casa agora mesmo.

     - Seus abacaxis estão aqui, freguesa. – e Maneco virou-se para Daniel – A dona Filomena faz as melhores balas do morro.

     - Adoro balas. Tem alguma aí de prova? Deixe um saquinho para mim aqui com o Maneco que amanhã depois do almoço eu pego, quando vier trazer o caminhão. Quer que lhe pague adiantado?

     - Dez reais a receita. Dá aí umas 50 balas.

     - Combinado. Pegue o dinheiro. E deixe uns cartões, quem sabe eu lhe arrumo uns clientes.

     - Cartões, jovem? Isso aqui é o morro.

     Daniel sorriu.

     - Até amanhã, então.

     No dia seguinte Filomena veio entregar as balas.

     - Boa tarde Maneco, fique com a encomenda daquele moço esquisito.

     - Ele é gente do bem, dona Filó.

     - Conversou demais com minha Juju.

     - Cadê ela?

     - Em casa estudando. Seguindo os conselhos do irmão. É meu orgulho, meu Moacyr. Saiu ao pai. O senhor foi muito bom com a gente, Maneco, fazendo fiado estes meses todos em que meu marido ficou desempregado. Agora ele está bem colocado lá na Usiminas, vai ganhar uma cesta com peru e presunto no Natal, o que vai garantir a ceia, graças a Deus. E o Moacyr se ajeitou em uma vaga de aprendiz em uma fábrica aí do porto; trabalha 4 horas, estuda 4, e disse que se a firma gostar dele, depois do curso ele pode ser contratado. Pois o menino fala para a irmã bem assim: “Faça como eu. Estude e aprenda um ofício. Eu vou ser um técnico, mas você é mais inteligente que eu, se tirar uma boa nota no ENEM pode até cursar uma faculdade.” Eu tenho orgulho desse meu filho, Maneco. Nossa família é assim, somos pobres, mas temos estudo. Os filhos aprendem leitura e tabuada. Nunca faltou livro em casa. Meu pai sempre ensinou que livro é mais importante que comida. Livro alimenta a alma.

     - Dona Filó, não chore.

     - A gente vivia tão bem lá na fazenda até aqueles “sem terras” resolveram se apoderar da fazendo do patrão...

     - Uma tragédia, dona Filó.

     Maneco ofereceu um copo de água para a vizinha.

     Um caminhão se aproximava. De dentro dele desceu Daniel, que abriu o portão do depósito para o motorista e veio pegar suas balas no balcão. Juju, que espiava pela janela, saiu de casa e correu para perto da mãe.

     -  Bom dia, dona Filomena. Boa tarde, Juju. Boa noite, Maneco. – disse o elfo, fazendo a menina rir – Conte para mim, menina, do que você gosta, além de livros?

     - Eu gosto do rio, dos bichos, das árvores. Eu gosto das noites cheias de estrelas que eu via da varanda lá onde a gente morava antes.

     - Seu moço, hora de a gente ir embora – interrompeu Filomena. Com passadas rápidas arrastou a filha de volta para casa, ambas fungando alto.

     - Essa família aí – afirmou Manuel – é gente direita.

     - Eu sou torto, por acaso? – Daniel girou desengonçado fazendo o quitandeiro rir.

     Daniel pertencia a um grupo chamado Tam Tam. De início, eram psicólogos e professores de arte que se reuniam pra trabalhar com doentes mentais, crianças deficientes e incluíam em suas atividades pessoas normais que quisessem participar de projetos sociais. Muitas atividades aconteciam e acontecem ainda na cidade por causa desse pessoal inclusivo: dança, teatro, discussões artísticas, aulas de pintura, programas de rádio, banda carnavalesca e a passeata de Natal, para a qual Maneco contribuía emprestando o depósito para guardar alguns das centenas de presentes distribuídos para as crianças do bairro.

     Na manhã do dia 24 de dezembro, Juju, a garota de nove anos que estava crescida demais para ganhar presente de Papai Noel, ouviu a grande agitação nas ruas. Abriu a porta para espiar e chamou o restante da família.

     Lá longe vinha um trenó puxado por renas. À frente, dúzias de elfos dançavam e cantavam, pegando as crianças pelas mãos. Formavam-se pequenos grupos ao redor de cada elfo. Eles contavam histórias curtas sobre o Natal antes de entregarem os presentes.

     Juju apertou a mão do irmão e ficou olhando de longe, sem se misturar. As outras crianças do morro estavam correndo e pulando de alegria por toda parte. Cantavam, dançavam, mostravam o carimbo que os elfos estampavam nas mãos de cada criança que recebia um presente. Eram figuras variadas: renas, estrelas, trenós...

Os olhos de Juju acompanhavam enquanto elas abriam os belos embrulhos coloridos, rasgavam as embalagens e gritavam de prazer. Os brinquedos eram todos novos e diferentes: bonecas, carrinhos, jogos, quebra-cabeças, bichinhos de pelúcia.

     Juju apoiou a cabeça no braço do pai, certa de que para ela, uma menina crescida de nove anos, não haveria presentes. De repente, uns olhos vivazes piscaram para ela. O elfo Daniel lhe entregou um embrulho vermelho com laços de fita dourados. 

     - Jurema, viva o espírito de Natal. Papai Noel mandou este presente especial para você. – Ele piscou-lhe um olho – Direto do Polo Norte.

     Juju estendeu as mãos, retendo um suspiro, e leu seu nome no belo cartão:

     “Para Jurema, com carinho. Acredite na vida. Tenha fé no amor. Papai Noel”.

     Filomena agarrou o elfo e sapecou-lhe um beijo em cada bochecha. Suas mãos tremiam. Seus lábios tremiam e de sua boca não saía som algum. O marido pousou a mão no ombro do rapaz, que apertou com força, e olhava ora para as ruas, ora para a filha.. Daniel fez uma reverência engraçada e sumiu-se na multidão.

     Juju estava pulando e gritando de alegria, abraçando contra o peito O saci.

     Ela estava agora decidida a crescer para também “aprender a ser louca.”



Conto escrito por
Sonia Regina Rocha Rodrigues

Produção
Bruno Olsen
Cristina Ravela


Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.


REALIZAÇÃO



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