2x03 - O Ciclista Iluminado
de Cíntia Nascimento
Papai
Noel desembarcou de bicicleta bem no meio da praça, em frente à matriz. E não
era uma miragem. Lá estava mesmo ele, pedalando em círculos, como quem procura
por alguma coisa que ainda não sabe bem o que é. Um Papai Noel de verdade, com
roupa super vermelha, botas pretas e saco de presentes nas costas. Mas de onde
ele tinha vindo? Era o que todas as crianças da cidade, assim como eu, queriam
saber naquela noite de dezembro.
Passamos
todo o tempo do nosso passeio dominical olhando para o alto, onde o inesperado
visitante circulava sobre sua ciclovia de metal iluminada. Já tonta de tanto
rolar os olhos e procurar uma resposta para aquela aparição, a criançada não se
continha:
– Como
ele veio parar aqui?
– Só pode
ter vindo direto do Polo Norte.
– Mas por
que chegou tão cedo, antes do Natal?
As
respostas para tantas perguntas eram uma incógnita. Mas todos concordavam em
uma questão: aquele Papai Noel havia tornado a noite mais que especial. Na
verdade, inesquecível. Nossas habituais brincadeiras cederam lugar para uma
vigília hipnotizada. Ninguém queria saber de mais nada. Voltamos para a casa
levando o bom velhinho para os nossos sonhos. Teve gente que chegou a fazer uma
lista de desejos para entregar a ele no dia seguinte. É que combinamos de nos
encontrar, no mesmo local, para ver se Papai Noel tinha descido e, quem sabe,
até conversaria com a gente.
De manhã,
na escola, ninguém se aguentava. A única ideia era correr para a praça e
abraçar aquele visitante tão ilustre. Mal o sinal tocou, saímos em disparada
morro acima, parando apenas por uns segundinhos para recuperar o fôlego. Só que
fomos recebidos pela decepção. A praça não era a mesma da noite anterior
e nada do ciclista natalino.
– Moço,
cadê o Papai Noel que estava aqui ontem? – perguntamos para o Joãozinho da dona
Zefa, que aparava a grama do jardim.
– Ué?!
Está no mesmo lugar. Olha ele ali! – respondeu, apontando para o centro da
praça.
Não, não
era possível. Ali só se via uma estrutura de ferro, onde no alto estava presa
uma pseudobicicleta meio encardida. E, sobre ela, um ser estático, de plástico,
vestido de vermelho. Tinha barba branca, é verdade, mas estava longe de ser aquele
que tanto nos impressionou na noite anterior.
– Mas
esse não é ele! Pra onde ele foi?
Sem
esconder o descontentamento – e meio que segurando o choro –, deixamos a praça
tentando resolver aquele mistério. Não se falava em outra coisa.
– Será
que fizemos algo que Papai Noel não gostou? Será que nunca mais vai voltar?
– Acho
que é verdade que ele não existe.
Quanta
tristeza naquelas vidinhas interioranas... Até que alguém colocou a cabeça para
funcionar e soltou essa:
– E se a
gente voltar à noite? Quem sabe ele também volta?
Combinado.
Marcamos para as oito, no mesmo lugar, com a mesma esperança. E quem chegou
primeiro já estava de boca aberta quando surgiram os retardatários.
– Ele
voltou! Ele voltou! – festejamos em coro.
E não é que tinha mesmo voltado? Papai Noel estava
de novo lá, lindo, pedalando e iluminando a praça com suas lâmpadas brilhantes.
A felicidade das crianças contagiou até quem não acreditava em milagres, muito
menos naqueles feitos pelo lendário personagem. Todo o fascínio da noite passada
novamente tomou conta da praça, da rua, da cidade.
E foi assim durante todo o resto do mês. De dia, a
gente até evitava passar pela praça. Para ter que ver aquela geringonça de
ferro sem graça? Deus me livre! Todos nós queríamos era bater ponto à noite
para cumprimentar aquele ser que havia caído do céu.
Foi pouco depois do Natal que Papai Noel nos deixou
sem dizer adeus ou até breve. Não voltou no próximo ano, nem no seguinte. Com
certeza foi pedalar em outras ciclovias e encantar outras infâncias como tão
bem fez com a minha. Tão bem que a magia de suas pedaladas desde então vem
iluminando todos os meus natais.
Bruno Olsen
Cristina Ravela
Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.
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