2x14 - O Natal na Favela Esperança
de Emaday Luz
Na Favela Esperança vivia
Marialva. Era uma menina singela e órfã de pai, igual a tantas outras que
perambulam pelas ruelas sem asfalto das favelas e bairros paupérrimos das
cidades, as quais vivem sonhando com um mundo feliz e cheio de luz.
Ali também ocorria o
Natal. Entretanto, essa festa maravilhosa era pouco compartilhada com os incontáveis
sonhos das crianças que lá habitavam.
Quase sempre os sonhos
dourados de Natal representam a ventura real que toda criança almeja alcançar.
Para elas, eles não morrem, mas às vezes caem ao chão como pedacinhos de
estrelas que pouco a pouco vão brilhando, e logo os seus corações tristonhos
passam a sorrir em silêncio para se tornarem mais iluminados.
Marialva, a humilde
menina, mesmo acordada estava habituada a sonhar com o Natal. Com apenas sete
anos de idade, a sua triste infância era vivenciada num tosco casebre de
madeira à beira de um córrego imundo, sem água encanada ou esgoto, tendo apenas
um bico de luz emprestado de um generoso vizinho. A sua amarga rotina era
partilhada com dois irmãos maiores que também permaneciam com ela durante o dia.
A mãe trabalhava fora e só voltava ao aconchego do casebre nas primeiras horas
da noite.
Nos dois lados da ruela
onde a família habitava perfilavam os inúmeros barracos de tábuas como a única
paisagem no lugar. Por ali não havia parques, gramados, arvoredos e nem
pavimentação sobre as ruas. Na localidade não existia nenhuma atração, casas
bonitas, suntuosas, de jardins e garagens, com carrões; tampouco lá se viam edifícios
iluminados com guaritas, porteiros eletrônicos, tevês a cabo ou cães treinados.
Os habitantes da Favela
Esperança eram pobres, porém, a maioria dos adultos saía cedo para trabalhar
pela urbe. Os meninos brincavam empinando pipas pelas vielas ou batendo bola em
algum terreno baldio. As meninas jogavam amarelinhas no chão batido de terra ou
espalmavam petecas através dos seus becos estreitos. A maioria das crianças
faveladas andava descalças ou com sandálias havaianas sob os pés. Os sapatos significavam
um luxo para elas. Até os cachorros que por ali perambulavam não ostentavam
nome. Eram apelidados de ‘viralatas sem dono’ ou ‘cães vadios’. Esse era o panorama
da favela Esperança, como um espelho da triste realidade.
Porém, Marialva era uma
cidadã mirim do mundo e existia como gente. Esse ser humano possuía alma, desejos,
frustrações, ansiedades e sonhos também. Os desejos e frustrações ela sentia na
pele durante o dia, onde ficava a cismar embalada na sua melancolia infantil.
As ansiedades e os sonhos lhe vinham a qualquer momento; pelo sono durante a
noite em sua cama ou mesmo durante o dia quando caminhava através das vielas apertadas
da favela. No entanto, o seu maior sonho acontecia sempre no final do ano na
esperança de encontrar o Papai Noel e comemorar o Natal e o Ano Novo juntamente
com todos aqueles a quem amava.
O Natal e o final do
ano enfim chegavam. Nessa data havia muita alegria, comemorações e presentes na
grande festa. Em suas visões a menina admirava as casas bem iluminadas, as
árvores e pinheirinhos enfeitados, os jardins decorados com lâmpadas piscantes
e multicoloridas, além das canções natalinas sendo entoadas por instrumentos
musicais belíssimos. Ela também apreciava as crianças em festa, sorrindo, comendo,
trocando presentes, e, por fim vislumbrava o bom velhinho Noel, abraçando-as e saudando-as
com o refrão:
“Dingo Bel,
Dingo Bel, Bingo Bel! – Oh! Oh! Oh! Viva o Natal!”.
Nos sonhos Marialva não
era triste ou infeliz. Ela se achava radiosa naqueles lugares, parecendo estar
num mundo encantado e de belas fantasias. Sentia que o Natal existia por lá, no
interior das casas luxuosas e iluminadas. Para ela o Papai Noel era real e
possuía barbas alvas, sendo louro, bonito, sorridente e andava num trenó
cintilante.
Mas, óh mundo cruel! O
espelho e os sonhos são muito semelhantes... Expõem as imagens como reflexos das
coisas existentes na vida. Ao despertar à realidade, a menina vislumbrava com
os seus olhos tristinhos a imagem nua e crua do seu Natal. Constatava então que
o Natal na Favela Esperança era bem diferente daquele que sonhara, sendo apenas
um reflexo no adverso espelho da realidade.
Ali onde morava não
havia festas com encantamento, fantasias luxuosas, nem Papai Noel exuberante. Dele,
só existia uma sombra avermelhada com a caricatura do “bom velhinho” estampado
numa antiga revista. Para ela, só restava mesmo era sonhar esperançosa. Pois o
Papai Noel estava muito distante dali, talvez trabalhando nos shoppings elegantes
das cidades ou voando com o seu trenó pelo Polo Norte.
Marialva ao despertar pela
manhã vê que a mãe já não está. Ela faz o seu banho, arruma-se, toma o café com
leite e pão, despede-se dos irmãos mais velhos e vai para a rua sem asfalto, com
destino à escola que fica distante. Sai acompanhada com os seus cadernos e o viralatas
sem dono no seu calcanhar. A menina segue caminhando e sonhando distraída. À
tarde ela faz o mesmo percurso na volta, com o sol a pino faiscando sobre sua
cabeça. Traz consigo as mesmas divagações e também as mesmas fantasias.
Nisso, ali mesmo, próximo
à ruela de chão batido onde mora, surge inesperadamente um carro de luxo,
desses bacanas, iguais aos que se vê nas televisões. Só que o motorista é um homem
de cabelos louros, calça botas de cano alto, roupas verdes, usa um casquete vermelho
na cabeça com bico dobrado para o alto e uma pluminha em cima. Está mascarado e
a convoca pelo nome:
– Ei, Marialva! – Venha
aqui pegar esse pacote que eu trouxe a você!
Ela fica ressabiada. Quem
será essa pessoa estranha? Um ladrão, talvez? Ou quem sabe, um sequestrador? Cara
de Zorro ou de Super-herói ele não tem. Também não se parece nada com o Papai
Noel, pois nem barba possui. Mas o que haverá naquele pacote que me oferece? Uma
roupa de menina? Um par de tênis ou quem sabe, um brinquedo?
Marialva percebe que o
homem mascarado é forte, jovial e bonachão, tem a cara de bondade, carrega um
saco cheio de coisas, está bem trajado e a chama novamente:
– Venha aqui, minha
filha! – Pegue o presente de Natal que eu trouxe para você!
A garota pasma. Um
presente de Natal para ela? Sim, agora ela acaba de se lembrar daquele
personagem. Eureka! Que grande descoberta!
Esse homem louro e
mascarado, só pode ser o famoso Robin Hood, o arqueiro verde lá de Yorkshire,
na Inglaterra, que rouba dos ricos para dar aos pobres! Aí está. Ele veio mascarado
ao Brasil para não ser reconhecido pelos fãs. Mas cadê então o seu arco-e-flecha
e o cavalo? Será que ele os esqueceu nas florestas de Sherwood, no Reino Unido?
É... Só pode ser isso
mesmo! O Robin Hood viajou ao Brasil e veio de carro visitar a floresta de
barracos da sua Favela Esperança.
Nisso, Marialva corre e
pega rapidamente o pacote colorido que lhe é oferecido pelo homem mascarado. Agradece-o
pela doação, apanha o embrulho e corre matreira para abri-lo. O que haverá dentro
dele?
Bem nessas, já próxima de
onde mora, quando está desembalando o belo pacote com o presente dentro, ela reconhece
a voz que a chama suavemente pelo nome. Era a voz da sua boa mãe na porta do velho
barraco amadeirado.
– Venha aqui, minha filha!... – Venha depressa
menina!
Subitamente, ali mesmo na rua ela despertou daquela
miragem, tão real, que até parecia ser um sonho verdadeiro. Perplexa, a garota entrou
rapidamente em casa e sua mãe a beijou com ternura. Carinhosamente, entrega-lhe
um pacote dizendo:
– Feliz Natal, minha querida! – Pegue o presente
que eu trouxe a você!
Animada, Marialva recebeu o pacote parecido com
o que vira no sonho e abriu-o com jeitinho. Dentro dele estava o seu presente. Que
felicidade!
Naquele momento ela
sorri de alegria. Esquece-se então, de que é humilde e órfã de pai, morando num
casebre de tábuas à beira de um córrego sujo, sem parques, gramados e
arvoredos, água encanada e esgoto, com um bico de luz apenas, emprestado do vizinho
generoso.
Em seguida ela se recordou do sonho e comprovou
que, na realidade o Natal existe mesmo. O Papai Noel não pudera ir à favela. Estava
trabalhando nos shoppings elegantes da cidade ou voando de trenó pelo Polo
Norte. Mas isso agora já não importava mais. O bacana mesmo era que o Robin
Hood mascarado viera lá das florestas de Sherwood, da Inglaterra, só para
presenteá-la. Positivamente ele deixara o pacote para que a mãe entregasse a
ela.
Ao ser revelada uma
caixa no pacote, surge uma grande surpresa:
Dentro dela, perante os
seus olhos amendoados apareceu uma linda boneca loura, vestida de guerreira, com
chapéu vermelho e uma pluminha nele. No interior da caixa havia um envelope. Quando
ela o abriu, encontrou bem dobradinha uma belíssima máscara negra, parecida com
aquela do homem bonachão com cara de bondade.
Marialva deduziu então que
o Robin Hood voltara para a Inglaterra sem a máscara. Por certo a deixara aqui
para ela brincar. Afinal, em sua terra ele não precisava usá-la. Lá, certamente,
ele era o herói nacional das crianças e a venda preta não seria mais necessária.
Na sua felicidade infantil ela então acaba emergindo do sonho para a realidade.
Quando um super-herói é
querido, nem mesmo uma máscara negra veda-lhe a face de bondade. O magnífico mascarado
que a presenteara, para ela, foi como se o Papai Noel tivesse ido visitá-la na
favela a fim de reacender o seu sonho de Natal. E melhor:
Ele nem precisou entrar
no casebre de tábuas onde ela residia... Isso porque nos barracos da Favela
Esperança não eram colocadas as meias penduradas pelas portas, não havia neles chaminés
e nem lareiras para o Papai Noel passar e entregar os seus preciosos presentes.
Entretanto, os sonhos possuem asas próprias. Eles vivem, sublimam e voam. Por isso não necessitam de meias pelas portas, chaminés ou lareiras para entrar na alma das crianças. Eles dormem com elas e as despertam com um FELIZ NATAL no coração, repleto de magia e encantos.
Bruno Olsen
Cristina Ravela
Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.
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